A ciclovia do síndico
- O Globo
- LUIZ ROBERTO NASCIMENTO SILVA Luiz Roberto Nascimento Silva é advogado e foi ministro da Cultura
Arepetição do desabamento da ciclovia Tim Maia deveria ser limite claro que não se deve reconstruir essa obra inútil e perigosa. O prefeito Eduardo Paes vinha fazendo uma ótima gestão com capacidade de trabalho e amor pelo Rio. Foi engolfado pelo delírio do final do governo Lula (após um primeiro mandato exemplar) que nos levou às Olimpíadas e suas consequências. Custou muito ao país. Basta ver as obras faraônicas dos aeroportos do Galeão e de Confins com suas salas de mármore abandonadas e enormes espaços vazios que são uma exaltação ao desperdício. Sediar a Copa do Mundo era de bom tamanho. Temos enorme tradição no futebol e grandes estádios prontos. É claro que não era necessário fazer um perdido na Amazônia, uma reencarnação da Transamazônica, uma taba sem público e sem jogos.
Os Jogos Olímpicos, por tradição, são deficitários para as cidades que os sediam. Vide Atenas. A Olimpíada machucou especialmente o Rio. Foi aí que a gestão Paes se complicou. Além da ciclovia, hoje parece evidente que fechar a Avenida Rio Branco foi um erro. Podia-se revitalizar a Região Portuária sem desconstruir o Centro da cidade, que funcionava muito bem, obrigado. No mundo todo, quando surgem áreas de expansão urbana não se destroem as antigas. Buenos Aires não fechou seus bairros para fazer o Puerto Madero. Nova York viu SoHo, Tribeca e Meatpacking crescerem sem fechamento dos pontos consolidados. Hoje, o Centro do Rio agoniza, e a Região Portuária é ainda um projeto espetado na Caixa Econômica. Quem vê o VLT passando no meio da Avenida Rio Branco com uma meia dúzia de três ou quatro passageiros acha que está diante de um quadro surreal de Giorgio de Chirico. Havia centenas de consultórios, antigos e pequenos negócios funcionando que foram dizimados. A própria Lapa, com todo o seu apelo histórico, acabou sendo varrida por essa tsunami urbanística. Assusta saber que o prefeito Crivella quer retirar linhas de ônibus do Centro para salvar o VLT, que acumula déficits financeiros. A decisão parte do pressuposto de que, tirando os ônibus do Centro, o sistema VLT teria mais passageiros, que aumentariam sua receita. O que o cidadão comum que usa o transporte público deseja não é levado em conta. Amortiza-se um erro de visão produzindo outro.
A ciclovia nasceu errada. Ela eliminou a beleza da encosta natural de São Conrado, que, como uma renda, envolve a orla. Para quem passa da Zona Sul em direção à Barra, retirou-se a vista do mar. A ciclovia já desabou três vezes em três anos de existência. Gente já morreu em curto espaço de tempo. Por que não reconhecer que há algo errado? Errar é humano, perseverar no erro é burrice.
Juscelino Kubitschek, que ocupou todos os maiores cargos do Executivo, costumava dizer que quem manda de verdade é o prefeito. Dizia que o presidente acha que manda nos governadores e que estes, por seu turno, acham que mandam nos prefeitos. Ilusão. Para ele, que manda mesmo é o prefeito.
Passa a ser injusto para um artista que faleceu prematuramente por excesso de vida como Tim Maia dar seu nome a uma obra macabra. Logo ele, que Jorge Ben chamou de “O Síndico” numa canção famosa. É simples, só seguir o conselho do mesmo Juscelino: “Costumo a voltar atrás, sim. Não tenho compromisso com o erro.”
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